domingo, 11 de maio de 2014

Acorda, amor - Luiz Alexandre

Acorda amor
Eu tive um pesadelo agora
Sonhei que tinha gente lá fora
Batendo no portão, que aflição
Era a dura, numa muito escura viatura
minha nossa santa criatura
chame, chame, chame, chame o ladrão
Acorda amor
Não é mais pesadelo nada
Tem gente já no vão da escada
fazendo confusão, que aflição
São os homens, e eu aqui parado de pijama
eu não gosto de passar vexame
chame, chame, chame, chame o ladrão
Se eu demorar uns meses convém às vezes você sofrer
Mas depois de um ano eu não vindo
ponha roupa de domingo e pode me esquecer

Acorda amor
que o bicho é bravo e não sossega
se você corre o bicho pega
se fica não sei não
Atenção, não demora
dia desses chega sua hora
não discuta à toa, não reclame
clame, chame, clame, chame o ladrão

Interpretação:
No trecho em destaque, o compositor Chico Buarque representou em forma de música o que os jovens revolucionários estavam vivendo na época. Muitos foram capturados pelos ditadores que os mantinham escondidos. Outros se exilaram para fugir da ditadura, a demora significa não retornar ao Brasil por medo de represálias e não saber quando a ditadura iria terminar. Após muito tempo exilados as famílias perdiam as esperanças do retorno, pois essas pessoas poderiam estar não apenas exiladas, mas até mesmo mortas. Ao pedir para que seja usada a roupa de domingo, Chico Buarque que dizer que seja usada a melhor roupa, a que era utilizada para ir a missa naquela época, o que possivelmente representaria uma missa de luto. E esquece-lo porque o mesmo não retornaria mais.


Acorda Amor é um retrato fiel aos fatos ocorridos no período que teve seu ápice entre 1968 (logo após a decretação do AI-05) e 1976 quando, teoricamente, a tortura já não era mais praticada pelos militares. Diversas pessoas sumiram durante este período após terem sido arrancadas de suas casas a qualquer hora do dia ou da noite, e levadas para DOPS e DOI-CODI´s espalhados pelo Brasil. A falta de confiança era tão grande que as pessoas tinham mais medo dos policiais (que sequestravam, torturavam, matavam e, muitas vezes sumiam com corpos) do que de ladrões. A ironia do compositor é tão grande que, quando os agentes da repressão chegam a casa chamam-se os ladrões para que sejam socorridos. 
  
A intolerância do regime instaurado pelo golpe civil-militar de 1964 promoveu o exílio de inúmeros brasileiros nas décadas de 1960 e 1970, afastando e eliminando as diferentes gerações que lutavam por diversos projetos: reformas de base, revolução social, redemocratização. Embora distintos, a ditadura trataria a todos com intolerância, retratada pelo conhecido lema: Brasil, ame-o ou deixe-o. 
Embora carregado da conotação de castigo e punição, o exílio não deixou de ser um incômodo para a ditadura. A condenação à mortedos presos trocados por diplomatas estrangeiros o expressava. Numa alusão à figura jurídica inventada pelos ditadores – o banimento – ficariam conhecidos como banidos.


Fonte: http://www.latinoamericano.jor.br/musica_brasil_mpb_ditadura.html
http://www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br/campanha/exilados-e-banidos-da-vida-publica/

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