Análise da música: Tropicália (Caetano Veloso / 1967)
Sobre a cabeça os aviões
Sob os meus pés os caminhões
Aponta contra os chapadões
Meu nariz
Eu organizo o movimento
Eu oriento o carnaval
Eu inauguro o monumento
No planalto central do país
Viva a Bossa, sa, sa
Viva a Palhoça, ça, ça, ça, ça
Viva a Bossa, sa, sa
Viva a Palhoça, ça, ça, ça, ça
O monumento
É de papel crepom e prata
Os olhos verdes da mulata
A cabeleira esconde
Atrás da verde mata
O luar do sertão
O monumento não tem porta
A entrada é uma rua antiga
Estreita e torta
E no joelho uma criança
Sorridente, feia e morta
Estende a mão
Viva a mata, ta, ta
Viva a mulata, ta, ta, ta, ta
Viva a mata, ta, ta
Viva a mulata, ta, ta, ta, ta
No pátio interno há uma piscina
Com água azul de Amaralina
Coqueiro, brisa e fala nordestina
E faróis
Na mão direita tem uma roseira
Autenticando eterna primavera
E no jardim os urubus passeiam
A tarde inteira entre os girassóis
Viva Maria, ia, ia
Viva a Bahia, ia, ia, ia, ia
Viva Maria, ia, ia
Viva a Bahia, ia, ia, ia, ia
No pulso esquerdo o bang-bang
Em suas veias corre
Muito pouco sangue
Mas seu coração
Balança um samba de tamborim
Emite acordes dissonantes
Pelos cinco mil alto-falantes
Senhoras e senhores
Ele põe os olhos grandes
Sobre mim
Viva Iracema, ma, ma
Viva Ipanema, ma, ma, ma, ma
Viva Iracema, ma, ma
Viva Ipanema, ma, ma, ma, ma
Domingo é o fino-da-bossa
Segunda-feira está na fossa
Terça-feira vai à roça
Porém...
O monumento é bem moderno
Não disse nada do modelo
Do meu terno
Que tudo mais vá pro inferno
Meu bem
Que tudo mais vá pro inferno
Meu bem
Viva a banda, da, da
Carmem Miranda, da, da, da, da
Viva a banda, da, da
Carmem Miranda, da, da, da, da
Ambientada na época, a música Tropicália de Caetano Veloso procura trazer diversas críticas ao ditador da época, mediante a Ditadura Militar. Como marca das músicas da época histórica, Caetano se utiliza de metáforas para que a censura não proíba que sua música fosse tocada nos festivais e assim pudesse criticar o governo e outros movimentos, assim como apresentar a Tropicália para o povo, como um movimento moderno e que exaltava as características do povo brasileiro.
Na primeira estrofe, Caetano já começa a se remeter a situação da época, com a criação das montadoras estrangeiras de automóveis e sobre a aviação brasileira, também em constante crescimento no país. (Sobre a cabeça os aviões/ sob os meus pé, os caminhões).
Na segunda
estrofe teremos uma crítica mais severa e mais trabalhada. "E no
joelho uma criança sorridente, feia e morta estende a mão":
Nordeste brasileiro. Embasando-nos no mapa do Brasil, é exatamente
no Nordeste que temos uma uma forma semelhante com um joelho
dobrado, onde crianças passam fome, abandonadas e esquecidas pelo
governo.
No segundo
refrão, podemos perceber o jogo fonético que nos leva à ideia de
sons de uma metralhadora (ta, ta, ta, ta), símbolo representante da
morte pelo genocídio. Uma crítica também ao período de mortes ocasionadas pela ditadura, onde quem era contrário ao movimento ditatorial, era rapidamente caçado.
Em um próximo refrão, temos um jogo de palavras, utilizando do fonema "ia"; que repetido diversas vezes dá a impressão de estar falando "ai", remetendo exatamente a sonoridade contrária a sílaba. Isso é remtido aos gritos de dor nas torturas e mortes cometidas pelo governo ditatorial, claro que, se Caetano optasse por deixar o grito de dor, a censura logo cortaria o trecho e sua música não ficaria completa.
Na quarta estrofe , ideologicamente, ele nos mostra que a crítica
acentuada é feita diretamente ao alvo: o presidente da República, o
militar ditador. No pulso esquerdo o bang-bang, simboliza o poder;
em suas veias corre muito pouco sangue, percebe-se a crítica à
falta de sensibilidade do governante aqui criticado, que não se
emociona ao ver a situação em que está seu país. Mas seu coração
balança um samba de tamborim, mostra que, apesar dos problemas, o
governante comemora sua posição, seu poder, sem se preocupar com o
povo sofrido. No final dessa estrofe, ele põe os olhos grandes em
mim, o sujeito-autor muda o foco da primeira pessoa que inicia o
discurso. De poderoso a combatido, essa pessoa denuncia ser o alvo
das perseguições, ele se coloca como um perseguido, um sujeito que
deve se calar, que não tem o direito de abrir a boca para criticar,
pois estão de olho nele.
Finalmente, na última estrofe, as metáforas remetem ao povo, suas
alegrias e tristezas. O trabalhador que enfrenta a semana de pesado
trabalho para garantir o sustento, com dificuldade."Domingo é o
fino-da-bossa", é o único dia em que o trabalhador pode ter um pouco
de alegria, vai aproveitar a vida.
Segunda-feira está na fossa, porque tem que trabalhar. Aqui o autor
materializa a cultura do povo brasileiro e o trauma desse dia da
semana, que literalmente indica o fim do descanso e o início da
labuta. E pede tudo isso, no final, com mais
um jogo fonético: banda, da, da, (...) Carmen Miranda, da, da,
da, da. Este jogo remete a usurpação da imagem de Carmen Miranda, levada pela cultura norte-americana, sendo muitas vezes confundida como cidadã americana e não mais brasileira, como realmente era.
Bibliografia:
http://letras.mus.br/caetano-veloso/44785/
http://analisedeletras.com.br/caetano-veloso/tropicalia/
http://www.webartigos.com/articles/6206/1/a-tropicalia-e-a-analise-de-seu-dicurso/pagina1.html